Está fazendo um sucesso danado entre ateus entrevista do
ator norte-americano Morgan Freeman, a uma revista local, dando conta de que
Deus é uma invenção humana.
E o que leva o garboso ator a ter tão peremptória opinião? O
fato de ter interpretado Deus em Evan
Almighty / A volta do todo poderoso
(2007)?
Blaise Pascal já havia resolvido a questão ao demonstrar ser
impossível tanto provar a existência de Deus, quanto a sua inexistência.
Mas teimamos em não seguir os sábios. Preferimos testar as
nossas hipóteses, num eterno retorno, sem que tenhamos ferramentas adequadas
para fazer isso.
É difícil distinguir quem é mais tolo: se Freeman ou seus
aplaudidores.
O filósofo ateniense Sócrates foi condenado à morte por não acreditar
em Deus. Mileto o acusou de descrer da divindade única, mas crer em várias, e
especialmente no seu Deus interior.
“[...] só te
absolvemos com uma condição, a de não mais te entregares a esse gênero de
pesquisa e de renunciares à filosofia. Se fores apanhado nestas atividades,
morrerás; se isto que acabo de dizer fosse a condição que me impusésseis para
me absolver, dir-vos-ia: ‘atenienses, tenho por vós consideração e afeto, mas
antes quero obedecer ao deus do que a vós, e, enquanto tiver um sopro de vida,
enquanto me restar um pouco de energia, não deixarei de filosofar e de vos
advertir e aconselhar, a qualquer de vós que eu encontro’”.
Platão, que recupera este trecho condenatório a Sócrates (Apologia de Sócrates), argumenta que
Deus é “um pressuposto lógico que orienta
a ordenação do Kosmos, dando-lhe a indispensável harmonia e coesão”.
É difícil identificar em que momento da jornada humana
apareceu o conceito do Deus único, mas a historiografia religiosa indica que
possa ter surgido a partir do culto a Aton, no reinado do faraó egípcio Aquenáton
(por volta de 1.300 a.C.), assim como no antigo Irã, nos tempo de Zoroastro
(Idade do Ferro), no 7º século a.C.
Na sua extensa Mitologia grega (3 volumes), Editora
Vozes, o brasileiro Juanito de Souza aborda como os gregos acabaram por
ser influenciados pelas concepções vindas do Oriente, o que, por consequência desembocou
na racionalização metafísica romana, de onde nos vem o Deus único cristão, cuja
origem primária está no judaísmo, do qual se origina também o Islamismo.
Os historiadores de religião, no entanto, não enxergam uma evolução
direta do politeísmo para o monoteísmo, como análises apressadas podem indicar.
Em O Sagrado e o Profano,
o historiador das religiões, o romeno Mircea Eliade, argumenta que o ser humano
“faz parte da criação dos deuses, ou
seja, em outras palavras, ele reencontra em si mesmo a santidade que reconhece
no Cosmos. Segue-se daí que sua vida é assimilada à vida cósmica: como obra
divina, esta se torna a imagem exemplar da existência humana”.
Eliade está dizendo que nós não nos aferramos à ideia de
Deus ou de Deuses como um apelo desesperado de negarmos conscientemente a
finitude da existência, mas porque entendemos fazer parte da criação.
De uma tacada só o filósofo romeno destrói duas crenças
banais do ateísmo.
A primeira delas originada na infeliz frase de Marx – “a
religião é o ópio do povo” - e a segunda a do suposto niilismo (nihil/nada) da
extensa obra do filósofo alemão Friedrich Nietzsche.
Aliás, só quem nunca leu Nietzsche ou o leu de forma canhestra
não percebe a monumental elegia religiosa que o sábio alemão concebeu.
De Sócrates a Nietzsche, passando por Eliade, o que essa
gente toda quer dizer é que a Criação é um ato contínuo, da qual todos nós fazemos
parte.
Essa racionalização acabou por trazer problemas para Pierre
Teilhard de Chardin - jesuíta, teólogo, filósofo e paleontólogo francês – autor
dos monumentais O meio
divino e Fenômeno Humano.
Chardin foi enquadrado pelo Vaticano no Index Librorum Prohibitorum,
proibido de continuar publicando e desterrado para a China por sua ordem.
O sábio jesuíta fala da construção do Cristo Ômega (a vigésima e última
letra do alfabeto grego), mas junta nas suas racionalizações ciência e religião
(darwinismo) e um bocado dos conceitos religiosos hinduístas, e nada disso é
aceito ainda hoje pelo Catolicismo.
Convenhamos, tudo isso são obras e vidas monumentais para que ainda tenha
gente a dar ouvido às besteiras ditas pelo ator norte-americano.