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Crédito da foto: ultimosegundo.ig.com.br
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Fazia tempo que não me reportava (ou reproduzia) a um texto
do linguista e professor Sírio Possenti, com quem, aliás, já me desentendi
quando ainda ele escrevia no sítio PrimaPagina.
Mas sempre aparece uma boa oportunidade para se reportar (a)
ou reproduzir seus textos, como é o caso deste Qual
seria a repercussão?.
Ele fala basicamente das mudanças no Enem dos EUA, que é
muito mais antigo que o brasileiro e que não se chama, obviamente, Enem, e
especialmente da proposta de se evitar o uso de “palavras obscuras” (sic). Afinal o que seriam
palavras obscuras?!?!
Reporta também o linguista e professor à tendência (lá e cá)
de se evitar textos longos, com mais de 5.000 palavras, em testes de avaliação
de alunos (educandos).
Minha tese, que não sou linguista, mas sim jornalista, é que
quem não lê “textos longos” não lê texto algum, ou simplesmente não lê porque
não tem capacidade de ler.
Destaco (em vermelho) o último
trecho do texto de Possenti quando ele se refere à resposta da revista Piauí à crítica de um internauta.
E como uma coisa leva a outra, me lembrei de que no início
da semana um internauta, discutindo uma matéria sobre evolução publicada pela Folha de São Paulo, pediu (tentando ser
irônico e sarcástico) que lhe explicasse então por que o macaco desistiu de ser
(verbo) Ser (ente) Humano.
Obs. Os entre
parênteses são meus, é claro. Duvido que o internauta criacionista saiba o que
eles são e para que servem.
Tudo isso me reporta a uma fala do escritor português José
Saramago (citada inúmeras vezes por aqui): “Estamos indo rumo ao grunhido”.
Já estamos quase chegando lá, José. Estamos chegando ao
Planeta dos Macacos.
Sinistro.
Se deliciem com o texto de Sírio Possenti, mas não se
esqueçam de ler os comentários dos senhores e das senhoras internautas.
Sinistros.
[Li nos jornais que os americanos estão planejando mudar seus
exames que equivalem grosseiramente ao ENEM, as provas que fazem parte do
processo seletivo, com algum peso (nunca total), de universidades americanas.
Pelo que as notícias revelam, trata-se basicamente de fazer
com que as provas sejam mais uma avaliação do que se aprende nos colégios e
menos uma projeção do futuro universitário, isto é, do universitário com as
virtudes e os saberes desejáveis.
As mudanças são relativamente numerosas. Uma avaliação mais
adequada só seria possível analisando provas. Mas há aspectos claramente
positivos. Por exemplo, em vez de só assinalar a resposta correta, o aluno
deverá recortar dos textos a passagem na qual se baseou para escolher a
alternativa. Isso pode ser bom. Tem a ver com leitura, não com decoreba.
Se algumas mudanças parecem razoáveis, como o caso
mencionado, outras podem parecer concessões para baixo. Por exemplo: as provas
deixariam de conter palavras consideradas obscuras. Quem decide?
Implicitamente, sugere-se que, já que os alunos estão lendo mais textos curtos
(não se diz que textos, mas vou arriscar: é mais Wikipidia e menos Britannica),
os exames devem levar isso em conta.
Minha opinião? Acho que o nível de exigência deveria
aumentar. Ou, pelo menos, não diminuir. Estudantes de internet e de livros
didáticos recheados de textos curtos coloridos e de boxes complementares serão
um problema. Não para a invenção de games, que parece ser um nicho quente, ou
mesmo para inventar empresas como o Facebook. Mas, para certas funções, será um
desastre.
Segundo avaliação de um professor brasileiro ligado a
instituição autorizada a aplicar testes no Brasil, “na Internet há diversos
sites (sic) de até 5000 palavras que os alunos ficam estudante, muitas de
origem latina”, com as quais os americanos têm dificuldade.
Isso deve diminuir, diz ele. Não fica totalmente claro se
fala das palavras de origem latina ou dos textos de 5000 palavras. Acontece que
grande parte do vocabulário técnico e de “cultura” do inglês é de origem latina
(é assim desde a invasão da Inglaterra pelos Normandos). Juntando essa
declaração com a ideia de não incluir palavras “obscuras”, parece que haverá
uma aproximação à linguagem mais informal.
Mas como serão os juízes do futuro, mesmo que não empreguem
linguagem medieval? E os historiadores? E os formuladores de políticas
econômicas, ou mesmo das opções geopolíticas? O que saberão de história os
futuros diplomatas? Textos curtos, datas? Ou estes poucos serão especialistas
liderando a massa daqueles cujo passatempo cultural é assistir a filmes que
reproduzem games nos quais o que importa é matar alguém ou ouvir músicas tipo
pancadão ou (entre nós) sertanejo universitário?
Os americanos, sabe-se, são muito menos conservadores do que
os brasileiros (e portugueses, claro) no que se refere à linguagem. Deste ponto
de vista, o movimento pode ser compreendido. Meu problema não é com palavras
mais ou menos eruditas, mas com textos curtos: se ler textos de 5000 palavras é
considerado um problema, acho que as novidades não são boas.
Mas minha questão é qual seria reação no Brasil se aqui se
propusesse uma prova mais próxima do aluno a escola…
A propósito dos textos longos e
curtos, conto que dei uma gargalhada, embora estivesse só, quando li, na semana
passada, a resposta dos editores da revista Piauí a uma carta de leitor. Ele
criticava os argumentos de reportagem de um número da revista que se referia ao
uso de instrumentos por macacos. Alegava o leitor que, sendo o conhecimento
cumulativo (o que não é óbvio), se aquilo fosse verdade, os macacos estariam
hoje utilizando o Facebook. A resposta dos editores não poderia ser mais
simples e mais direta: “você já frequentou o Facebook?”]