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Legenda e crédito da foto: O memorial às vítimas ao comunismo em Praga, na República Tcheca. Uma placa dedica à obra "não apenas aos que foram mortos ou executados, mas a todos cujas vidas foram arruinadas pelo despotismo totalitário" - http://www.cartacapital.com.br/politica/corram-os-comunistas-estao-chegando-8968.html |
O
título da matéria foi tirado do texto do sítio Carta Capital - http://www.cartacapital.com.br/politica/corram-os-comunistas-estao-chegando-8968.html
- de José Antonio Lima
(publicado 06/02/2014 11:18, última modificação 06/02/2014 14:09) e que pretende
dar “cinco explicações para o fato de, na segunda década do século XXI, muitos
ainda temerem o comunismo”.
É
uma brincadeira recorrente sobre o pavor que “os comedores de criancinhas”
ainda causam nas pessoas. Lima sintetiza o pavor em cinco razões, mas tem mais.
Vamos
seguir um pouco o que diz o autor. Suas citações vão entre colchetes, em itálico
e em vermelho, em homenagem aos comunistas. Meus comentários irão em corpo e
cor normais.
[Quando eu tinha sete anos, um
tio costumava visitar a minha casa com um alerta para o meu pai. "Zé, se
este homem ganhar, duas, três famílias vão dividir este apartamento com
vocês". O ano era 1989, o homem era Luiz Inácio Lula da Silva. Desde
então, o muro de Berlim caiu, a Alemanha se reunificou, a Tchecoslováquia se
separou, a União Soviética se dissolveu em 15 Estados diferentes e os últimos
países nomeadamente comunistas nem mais conseguem sustentar sua ideologia,
apesar de ostentarem o lado mais horrendo de sua prática, o autoritarismo. Não
sei que fim levou aquele tio, mas o temor saliente dos comunistas ainda
persiste no Brasil. O que explica isso? A resposta para tal pergunta, no
contexto brasileiro, está na interação de pelo menos cinco fatores.]
Quando
a Coluna Prestes “passeou pelo Brasil” (1922-1953) muitos caboclos,
interioranos, gente de pouca escolaridade se aliou, voluntariamente, às forças
legalistas que combatiam o “perigo vermelho”.
Quando
da candidatura em 1989, Lula da Silva, em muitas seções eleitorais do Brasil,
não recebeu um único voto. O temor era que o PT no poder “dividisse” terras, apartamentos,
lojas e que tais.
Cheguei
a questionar uma pessoa por que esse temor todo de se dividir as terras se ele,
por acaso, era um trabalhador rural sem-terra.
Ele
não soube responder.
[1 - O primeiro deles é o
submundo da internet. Como todas as outras pessoas, os teóricos da conspiração
encontraram na rede um ambiente perfeito para dialogar com seus pares. Em
fóruns e sites específicos, podem expor seus pensamentos e "desenvolve-los"
em contato com ideólogos de quinta categoria e dublês de cientistas políticos.
Nas redes sociais e caixas de comentários, duelam com seus opositores, os quais
enfrentam com suas "verdades", geralmente não corroboradas por provas.
A internet, assim, funciona como incubadora e providencia as ferramentas para
aglutinar os teóricos da conspiração de diversas vertentes.]
Acho
um pouco exagerada essa implicância com a web (eu tenho um pouco disso também),
por dois motivos:
-
o primeiro é que menos da metade dos brasileiros acessam (agora) ou acessarão
(nos próximos anos) sites, blogs, redes sociais etc. e tal.
-
assim como os anticomunistas usam essa mídia eletrônica com o exagero de sempre,
a esquerda (ou pretensa esquerda) também usa.
Os
equívocos como falta de provas, teorias conspiratórias e dublês de cientistas
políticos valem, na internet, para ambos os espectros ideológicos.
[2 - O conteúdo da teoria do
“golpe comunista” vem do mundo não virtual. Até hoje, o Brasil não fez um amplo
reexame do que foi a ditadura, sua origem, realidade e consequências. A culpa
por esta situação reside no Planalto – Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio
Lula da Silva carregarão em suas biografias o apoio tácito à política do
esquecimento, que nunca enfrentaram. Sob a administração Dilma Rousseff foram
criadas as Comissões da Verdade, mas elas enfrentam grandes obstáculos. Nada é
mais representativo da ânsia em manter intocados os pecados da ditadura do que
a Lei da Anistia. Em 2010, o STF referendou a lei sob o argumento de que a
anistia foi fruto de um “acordo político” entre governo e oposição. Na
realidade, o acordo previa anistia apenas para os perseguidos políticos, não
para agentes do Estado que cometeram crimes de lesa humanidade.
Essa política do
esquecimento manteve intocadas diversas outras farsas daquele período, entre
elas a de que João Goulart planejava um golpe comunista. Esta lenda, decisiva
na aglutinação da oposição a Jango, era considerada verdadeira pelos líderes do
golpe, mas, como escreveu o historiador Rodrigo Patto Sá Motta, eles tinham uma
“avaliação imprecisa da extensão” dela e, mesmo assim, “se esforçaram para
convencer o público de que os bárbaros estavam à porta”. Sem o amplo reexame da
ditadura, o que o Brasil experimentou foi a extensão desta mentira deslavada
até os dias de hoje. A farsa sobre o complô comunista, assim, não é vista como
o fato que é, mas como uma “opinião”.]
Sou
obrigado a concordar com este “segundo fator”, especialmente no que diz
respeito a Lula da Silva e ao PT. Eu já disse várias vezes isso aqui: o partido,
para chegar o poder (lembram-se do Lulinha Paz e Amor?), abdicou de qualquer discussão
sobre os mecanismos de opressão das camadas mais pobres da população e das
razões do porque o Brasil é um País profundamente desigual.
Quanto
a FHC e o tucanato, deles não se poderia esperar outra coisa. São pequenos
burgueses, gente de gabinete e de sala de aula.
[3 - A terceira questão na base do medo comunista é a resiliência da
retórica anti-petista. Como outros partidos em diversos países no pós-guerra
Guerra Fria, o PT representa (ou representou?) a chegada de forças populares ao
poder. Símbolo da esquerda latino-americana, o Partido dos Trabalhadores ainda
instiga em alguns o medo de 1989, apesar de haver um enorme fosso entre as realizações
boas e ruins das administrações petistas e o comunismo. Os lucros de
montadoras, bancos e empreiteiras nos últimos anos, além da nova classe
consumidora inserida ao sistema capitalista são apenas alguns dos exemplos
disso.
Por trás desta falsa conexão entre o PT e o comunismo está uma visão
de mundo reducionista, fruto de um raciocínio primitivo, que atrela qualquer
grupo ou ato da esquerda política ao bolchevismo. O messias dessa ideia é Olavo
de Carvalho. Em coluna publicada no Valor Econômico em 31 de janeiro, Joel
Pinheiro explicou de forma didática a teoria olavista:
De acordo com Olavo de Carvalho, o esquerdismo vai muito além da
política. Toda a cultura está tomada pelo marxismo cultural e a inversão de
valores por ele efetuada. O pensamento e os slogans da esquerda são hegemônicos
e constituem, assim como o PT, parte de um processo para implantar o comunismo
na América Latina via o Foro de São Paulo, organização que reúne os principais
partidos e movimentos de esquerda no continente.
Neste contexto, a proximidade do PT com outros governos
sul-americanos de origem popular, como era o de Hugo Chávez na Venezuela e é o
de Evo Morales na Bolívia, é vista como “prova” da conspiração comunista.]
Trata-se
de um bom e correto argumento. Só vejo problemas na citação do suposto filósofo
Olavo Carvalho.
Ele
não tem essa capacidade intelectual toda para arrebanhar gente para uma jornada
nacional anticomunista.
Ele
está mais para plagiador do que para pensador.
[4 - O quarto fator a estimular o medo do comunismo é a incapacidade
de determinados setores da esquerda brasileira de se distanciarem desse tipo de
regime. Há uma estranha simpatia a regimes comunistas, notadamente o de Cuba,
talvez derivada da impressão de que o princípio do comunismo, “no fundo, no
fundo”, é moralmente superior ao de outros sistemas. Ainda que fosse este o
caso, poucos comportamentos são mais moralmente condenáveis do que defender
regimes que destruíram as vidas de milhões de pessoas, como foi o caso da União
Soviética de Joseph Stálin. Conversar com alguém que viveu sob esse tipo de
regime ou simplesmente visitar um país de passado comunista mostra o tamanho da
falta de respeito, para dizer o mínimo, em que se consiste a prática de
defender o comunismo, mas lá no país dos outros.]
Esta
também é uma boa discussão. Gente que se diz democrata não pode, obviamente,
defender regimes, como o cubano, que mantém sua população sob tacão.
Tenho
o maior respeito pela revolução cubana e já disse mais de uma vez que Fidel
Castro foi a principal figura do século 20.
Mas
ambos são hoje atemporais: Cuba e Fidel.
[5- O quinto fator é a grande imprensa brasileira, na qual vigora
uma versão “disfarçada” do olavismo (com as exceções de Paulo
Eduardo Martins e Rachel Sheherazade, apresentadores do SBT, que não
economizam na verborragia). Apenas em 2014, muitos exemplos se acumularam.
Demétrio Magnoli afirmou que a reeleição de Dilma configuraria a formação de um
“regime” no Brasil; Arnaldo Jabor alertou sobre um “perigo vermelho”. Não
faltaram referências, ainda, ao “bolivarianismo” e a uma suposta influência no
Brasil do governo de Cristina Kirchner, sobre a qual não se tem qualquer
indício real. O item revelador do “alto olavismo” da imprensa é, entretanto, o
regime cubano. Seja a presença de Yoani Sanchez por aqui ou a inauguração do
Porto de Mariel, Cuba é capaz de transformar o Brasil numa réplica do condado
de Miami Dade, pedacinho da Flórida em que o anticastrismo é a identidade
coletiva e a Lei Helms-Burton (a que mantém o boicote a Cuba), a constituição.
Negociar com a Arábia Saudita, a China e ditaduras africanas é bom. E com Cuba?
Aí não pode. É um caso bizarro de moralismo seletivo.
Quando este tipo de comentário escapa dos editoriais e páginas de
opinião e atinge o noticiário a situação piora. Não é difícil identificar um
golpe de Estado, mas a grande imprensa brasileira tem pesos e medidas
diferentes para fazer isso. Em julho, todos os grandes veículos usaram o termo
golpe para identificar a derrubada do presidente do Egito. Em 2009, em
Honduras, e 2012, no Paraguai, quando caíram, respectivamente, Manuel Zelaya e
Fernando Lugo, o termo golpe foi suprimido deliberadamente. Em comum entre
Zelaya e Lugo, o fato de serem ligados à esquerda política. Para grande parte
dos grandes veículos brasileiros, entretanto, aqueles movimentos não se
tratavam de golpes, exatamente como o que apoiaram em 1º de abril de 1964 e que
derrubou João Goulart.]
Aqui
volta a questão do olavismo (ver item 3.) e para tanto valem as mesmas
observações acima.
[Talvez outros fatores influenciem o medo do "perigo
vermelho", como as experiências pessoais de quem sofre desta fobia. O mais
lamentável de tudo isso é o tempo e a energia gastos numa discussão inócua. É
impossível que de uma discussão sobre um sistema político-ideológico fracassado
e superado surja algo minimamente útil para resolver os inúmeros problemas do
Brasil.]
Não
há dúvida alguma que outros fatores influenciam o medo do comunismo (“o perigo
vermelho”). Estamos num país de leitura precária e de baixa capacidade de organização
e de discussão.
Vivemos
ainda no século 16, distantes dos ideais iluministas.
Por
aqui ainda se preia índios e se amarra pretos no pelourinho para chicoteá-los e
seviciá-los.