![]() |
Crédito da ilustração: www.terceiromilenionline.com.br
|
No início dos anos 90 escrevi um monólogo para um concurso de teatro.
A personagem tinha pavor das pessoas e de sair à rua. Da janela de sua sala assistia
a um mundo em decomposição, cruel, violento, brutal e implacável.
A peça foi de pronto recusada. Há uma boa possibilidade de que ela
fosse mal escrita.
Ou que os senhores avaliadores não pegaram o espírito da coisa.
A texto foi inspirado em uma pessoa que trabalhava comigo e via um
mundo incendiado diariamente, e numa senhora, cujo rosto nunca vi, mas que
passava a vida espreitando com seu olhar assustadiço as pessoas de sua janela.
Passei dois anos da minha vida (1979-1980) fazendo pesquisas para
a Igreja Católica (Cimi e CPT) no Mato Grosso do Sul. Boa parte dessa atividade
foi dedicada a levantar áreas de conflitos e ameaças a sem-terra e a índios.
Em Campo Grande (a capital do Estado) um sujeito que estudava Direito
me perguntou se eu andava armado. Disse que não. Ele disse que deveria, pois
era muito perigoso o que eu fazia.
Ele também não pegou o espírito da coisa, mas eu lhe dei uma resposta
mais amena: “eu sequer sei atirar. Se eu andasse armado não seria uma boa razão
para que alguém me baleasse?”
Até o final do século 15 boa parte do que hoje conhecemos como
europeu achava que a Terra era achatada. Essa crença, em grande parte, não
permitiu, por centenas de anos, que o ser humano se aventurasse “por mares
nunca dantes navegado”, pois o Planeta terminava no horizonte em um grande
precipício.
O mito da Terra achatada ruiu com a viagem de Colombo (1492) que
culminou na descoberta do hoje continente americano.
O pensamento europeu da época era um retrocesso, pois já no século
5 a.C. matemáticos gregos defendiam a ideia de uma Terra esférica.
1421
Gavin Menzies, um britânico que foi comandante da Marinha e depois
virou pesquisador, defende no livro “1421
– O ano em que a China descobriu o mundo” que os chineses se anteciparam em
mais de 70 anos aos europeus.
Menzies é alvo de muita crítica, especialmente de historiadores portugueses
que têm o seu País como o iniciador das grandes navegações, muito em conta da
Escola de Sagres, tão controversa e negada quanto as teorias do britânico.
O texto de Menzies é algo fantasioso e boa parte dos argumentos do
escritor é fruto de deduções. Objetivamente ele não apresenta qualquer prova, e
nem mesmo a reprodução de mapas antigos – como o Mapa de Cantino, por exemplo –
garante o acerto de suas interpretações.
Já vimos um negócio parecido como esse durante o julgamento do
Mensalão do PT.
Terra a
vista
Enfim voltamos ao Brasil e a Campo Grande.
Uma terceira pessoa que fazia parte da conversa ajudou a desancar
a sugestão do estudante de Direito segundo a qual eu deveria andar armado.
Contra argumentou essa terceira pessoa que a sensação de insegurança
e de impunidade no Estado (e olha que estávamos falando de Mato Grosso do Sul
do século passado!) era injustificada e fruto da paranoia que boa parte das
pessoas gosta de cultivar.
A sensação de insegurança da qual falam centenas de pessoas para
mim é tão defensável quanto a sensação térmica, ou a Escola de Sagres, ou as
teorias chinesas de Gavin Menzies.
BALELA!
A mesma teoria diz também que no Brasil a lei não funciona.
Juntando lei + insegurança + violência como a gente consegue explicar
que o Brasil tenha a quarta maior população carcerária do Planeta, que mais de
400 mil pessoas estão sendo processadas e esperando julgamento, que em nossas
prisões estão desde o ladrãozinho pé-de-chinelo até políticos e empresários?
A única sensação na qual acredito é que brasileiro não conhece leis,
não sabe a que elas se destinam e quando devem ser aplicadas.
Mas para além da sensação, tenho uma certeza: a maioria dos
brasileiros apenas acredita naquilo que já traz da sua tradição familiar, do
conhecimento que vem de casa (do vovô e da vovó; do papai e da mamãe), desprezando
outras informações e fatos que desconstruam e neguem as suas verdades já
pré-estabelecidas em seus círculos familiar e social.
Se o mundo real teima em desarrumar o seu mundinho arrumadinho ele
está a um passo de se tornar uma pessoa assustadiça, medrosa, irritável e paranoica.
Conhecemos ou não conhecemos gente assim aos pacotes?
Leia também:
Nenhum comentário:
Postar um comentário